segunda-feira, 25 de abril de 2011

O DESAFIO



Samson came to my bed
Told me that my hair was red
Told me I was beautiful and
Came into my bed
Oh I cut his hair myself one night
A pair of dull scissors in the yellow light
And he told me that I'd done alright
And kissed me till the morning light
the morning light
And kissed me till the morning light




Respirou fundo novamente antes de aceitar aquele convite insistente que ele havia feito, entregar-se aquela nova e sempre espreitada sensação, não era para ela o melhor para uma manhã de quarta-feira, mas, se sentiu desafiada. Há dias vinha se consumindo em uma rotina categoricamente fria,de sentimentos regrados e racionalmente controlados.Já não sabia onde vinha a força para manter-se com sintomas de medos e decaídas distantes. Mesmo antes de tudo acontecer já não sabia ser capaz de viver sem a transgressão de sentimentos, de regras e atos que somente serviam para formar uma imagem firme de quem era perante as pessoas que convivia na sua vila. Enquanto olhava a distância, a profundidade, lembrou-se da velha que morava da última rua a direita da vila, a maneira como foi encontrada quatro dias depois da sua morte: na cadeira , dura, imóvel e morta. Sorriu constrita. Sentiu pena da velhinha, sempre tão amável com todos, nunca indelicada.E aquele seu sorriso mediano? Os lábios que invariavelmente faziam o mesmo desenho no rosto, uma linha reta com as duas covinhas profundas, metade dos dentes anteriores aparecendo do sempre mesmo sorriso para sempre a mesma delicadeza e impavidez. Enquanto ele de costas arrumava os equipamentos, ela, ainda com a velhinha morta por quatro dias em casa, na cabeça, lembrou-se do dia em que a sorveteira do centro da vila queimou em brasas. Todos correndo, histeria, agua para baixo, chamas para cima e enquanto ela estava absorta na maravilha da ajuda comunitária, viu a velhinha ao longe com aquele mesmo sorriso mediano no rosto, nem a mais, nem a menos. Achou aqueles pensamentos impróprios para o momento e querendo se desfazer de qualquer resquício fúnebre, fixou os olhos nos braços que puxavam as cordas para cima. A sensação de força que ele passava lhe dava uma segurança inquestionável, algo primitivo e distante dos tempos modernos, mas, se achava engraçada imaginando ele a protegendo contra um grande animal feroz ou a salvando de uma torre cheia de fogo. Sorriu sozinha. Ele subitamente virou-se e agora sim viu a força dos seus braços segurando um monte de roldanas, cordas, coletes e não sabia mais o que e para quê tudo aquilo! O suor escorria pelos seus ombros enormes e nos olhos de menino vivaz e peralta via a vibração, a necessidade intensa de vida que a fazia querer a urgência do momento. Pronta? Foi o que ouviu da sua boca, esboçando um sorriso maroto. Sentiu o frio na barriga e já não sabia se era a iminência do desafio a seguir ou a excitação que ele despertava. Sorriu desconfiada. Pronta, foi o que respondeu. Levantou-se e do alto viu tudo até quase o infinito, os tons de verde a ocre, a natureza cintilando a sua frente com uma brisa desnuda e suave. A imensa altura e abaixo as águas ávidas e passionais que a esperavam. Agarrou-se e se acomodou na segurança que ele a ofereceu e ali aconchegada com o coração ao pulos, o sangue pulsando sobre a maestria da adrenalina saltou livre. Ela e ele. Segundos avassaladores. Sorria louca. O vento. O nada. E pronto estava sentindo em sua pele quente a água deliciosa e acolhedora, mergulhou ainda agarrada a ele e naquele instante era tudo o que sentia: ele e a vencedora capacidade se superar, de arriscar, de transgredir. Submergiu aos gritos, aos prantos, se olharam demoradamente e se beijaram em entrega .

Sorriram, mergulharam juntos e continuaram urgentes e intensos pelo momento que parecia ser o sem fim do infinito.





(cronica publicada em 2007, e está aqui novamente, por insistencia de regina spektor.)

terça-feira, 19 de abril de 2011

CONFISSÕES PARA UMA SEMANA SANTA.



É tudo que eu posso
Lhe adiantar
O que é um beijo
Se eu posso ter o teu olhar?
Cai na dança, cai
Vem prá roda
Da Malemolência...



E se isto não é a personificação do pecado, não existiria pecado abaixo das nossas cinturas

E se fosse pecado além da linha imaginaria que faz nossos olha res inconvenientes

Eu, juro, em nome de alguém, melhor nem dizer o nome,

(é pecado, sem piedade)

Iria para este inferno capcioso quente luxurioso devasso

que são seus braços em abraços.

Ah, iria...


sexta-feira, 8 de abril de 2011

Leonardo e Carina: o nosso conto de fadas.

Jogou o cigarro no chão e entrou apressado no bar sujo da esquina. Nem sentiu nojo do café frio que o garçom asqueroso colocou sobre o balcão com desdém. Não se sentia acordado e o café fraco desceu ineficaz pela garganta seca. Era tarde, e sempre era tarde, estava atrasado, mas, não existia nenhuma vontade de se mover em direção a nada, muito menos ao trabalho. A madrugada fora longa depois da briga desaforada com Carina. O sofá, programas de compras na TV e o cigarro foram sua companhia madrugada a fora. Saiu de casa sem ao menos escovar os dentes depois que ouviu a movimentação no quarto denunciando que ela estava acordada.

Não queria ver Carina pelos menos por uns 10 dias. Já estava tudo programado em sua cabeça. Iria passar em casa no fim do dia pegar umas cuecas, compraria com o fim do limite do cartão uns 2 litros de uísque e dormiria no sofá do escritório por uns dias. Seria bom ficar sozinho, colocar em dia uns processos e petições atrasados, beber, sair sem hora para chegar. Seria ótimo. Ela ficaria desesperada por uma atitude assim tão drástica. Precisaria quebrar o celular, seria uma boa desculpa para não atendê-lo e mais ainda, não queria sequer ver a foto de Carina cada vez que olhava as horas e ouvir aquela música irritante da Alicia Keys, que ela enfiou no celular, cada vez que enchia o saco com coisinhas bobas em ligações e ligações e mais ligações no meio do dia.

“No one, no one, no one... “, era ela. Quando viu a foto piscando reparou na feição sem graça que seu rosto se transformava quando abria em sorriso. Alegria não era mesmo o forte de Carina. Tudo que se relacionava a fe-li-ci-da-de a deixava tensa e estranha. Devia ser trauma de infância ou a maneira que foi criada pela mãe desgraçadamente chata. O aparelho tocava... foi um presente dela e tinha uns comandos que o fizeram feliz durante dias a brincar com teclas e tela. Agora era o som da americana que gritava como uma gata no cio e a foto de mulher que com sorriso falso e só. Resolveu que não destruiria por enquanto o celular, mas, retirou a bateria.

Leonardo. Escutou uma mulher o chamando. Era a estagiária do escritório do andar debaixo. Ele sempre ficava desconsertado com a insistência da moça em estar por perto com seu perfume doce de embrulhar o estomago. Leooo. Que intimidade era esta? Ele se perguntou. Sentiu-se incomodado por manter, sem controle, seus olhos no decote generoso que emoldurava os fartos seios da moça. Sem jeito, parou para comprar jornal enquanto reparava na bela bunda da moça que seguia seu caminho. Leu sobre o aniversário de morte de John Lennon e a necessidade de engenheiros no mercado. Nunca pretendera ser engenheiro e sempre preferira à rebeldia insana de Mick Jagger a bandeira hipócrita de paz e amor de Lennon, então, era mergulhar no trabalho. Em algum momento do dia se lembrou da bunda da estagiária e a comparou com a da Carina. Evitou tais pensamentos.


Final do dia e estava cansado. Esqueceu do uísque e das cuecas limpas. Olhou para o sofá e decidiu que não tomaria banho. Ele se jogaria no sofá e dormiria até o dia seguinte e só. Ah não, que merda, tinha uma reunião importante na manhã do dia seguinte e suas camisas estavam tão bem organizadas ao lado dos vestidos de Carina no guarda-roupa, se fosse rápido Carina não estaria em casa ainda, era quarta-feira dia de esticar com as amigas até o shopping. Foco, Leonardo: pegaria as cuecas e camisas limpas e tchau.

Tchau, ecoou na sua mente durante todo o trajeto. Tchau. Como um mantra a ser praticado por insistência.

Primeiro, segundo, terceiro andar e escutou o som de Pixies abafado vindo de algum lugar. Quarto andar, Here comes your mannnn. Quinto, tocou uma guitarra imaginária. Sexto, sétimo andar e sentiu o cheiro de bifes acebolados, que maravilha, estava louco de fome. Oitavo andar, porta do seu apartamento. Here comes your man, no último volume e Pixies era o som que curtia com Carina no tempo que se conheceram. Bife na cebola era sua comida favorita e toda esta confusão de sons com odores vinham de lá, depois daquela porta que ele estava disposto a abrir e rapidamente pegar o que lhe interessava e tchau. Tchau. E dez dias de sofá, trabalho, uísque e estagiárias peitudas.

Carina estava de costas para a porta lavando com aquele cuidado que só ela poderia ter um maço de rúculas. Ele adorava rúcula com biles acebolados. Tchau! Estava com um camisetão branco com aquela boca enorme e língua para fora que compraram quando estiveram no show dos Rolling Stones em Copacabana. A transparência deixava visível a calcinha fio dental preta, uma dos montes iguais que se empilhavam na última gaveta da cômoda que ganhara de presente da avó. Tchau! Deixou escapar um sorriso ao lembrar do pranto interminável que ela aprontara durante 1 dia e uma noite, o tempo que durou para fazer a patina inglesa na cômoda retro da avó. Só Carina mesmo para conseguir chorar pela avó, pela infância que passou e pelos erros de técnica da patina, tudo ao mesmo tempo e mesmo assim tirar gargalhadas sem fim dele durante 1 dia e uma noite. Era tchau, Leonardo. Pegou as cuecas, estavam dobradas como a mãe o ensinou quando era criança e que Carina adotou já na primeira semana que começaram a morar juntos. Enroladinhas dentro de uma gaveta forada com uns plásticos coloridos e cheirosos que Carina comprou em uma loja bacana. Não tinha onde colocar as cuecas e as camisas minuciosamente bem passadas. As malas estavam bem empacotadas na parte de cima do guarda-roupa. As camisas iram amassar, era melhor deixar para pegar estas coisas amanha, poderia comer os bifes... Tchau! Saiu do quarto com as camisas caindo pelas mãos e antes de fechar a porta da sala, olhou para Carina, que ainda de costas, abria uma garrafa de cerveja, remexendo os cabelos e quadris. Tchau... Tosse.

Amor, você chegou. Tchau... Deixe as camisas ai, depois guardo. O T veio à boca, mas, ela veio em sua direção e assim como imaginou estava sem sutiã. Abriu a boca e o T saiu na forma de um fonema amorfo. Ela tinha se esquecido de quanto Pixies era bom, se livrou do trabalho mais cedo, fez os bifes que tanto gostava, T-C, estava louca de saudades e achou que talvez ele tivesse ficado chateado com a crise nervosa que teve durante a madrugada, afinal era apenas TPM. O perfume amadeirado e quente se aproximava e sua boca se movia com a força de mil palavras por segundo do jeito que só Carina conseguia. TCH e a língua úmida de Carina sugou o A da boca áspera de Leonardo. As cuecas limpas caíram no chão e as camisas no sofá e não se sabe até hoje o destino do U do tchau em mantra que Leonardo ensaiou.

Jantaram depois de tomar a cerveja. Ouviram ainda Pixies por algum tempo sentados na varanda. Carina passou os pés nos pés de Leonardo durante todo o tempo e ele se sentiu acarinhado. Ficou tarde e Leo apagou a luz depois que Camila se aconchegou no seu corpo. Suspirou profundamente e sentiu todo o corpo estremecer em ternura.

E viveram felizes para sempre, pelo menos até a próxima TPM