Não facilite com a palavra amor.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda a razão (e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.
Carlos Drummond Andrade
Era novembro de um ano qualquer. Lola descia de um carro
após bater a porta com força e raiva. Era manhã. Era uma manhã qualquer de um
dia de céu azul e de um calor escaldante. Andou pelas ruas vazias da cidade a
passos largos e falando longas e doloridas palavras ao vento. Lola, estava
cansada. Tomou seu café em uma padaria no centro da cidade cheio de homens e
mulheres que iam para o trabalho e ela não queria saber do que conversavam.
Lola, só ouvia e ouvia novamente as duras palavras que ouviu durante toda a
noite em uma conversa realista e triste que seu coração dizia que não precisava
ter tido. Chegou em casa tomou um longo banho ouvindo Janis e seus gritos
roucos se compassaram as batidas do seu coração até suas lágrimas misturarem a água
do banho que lhe retirava o resto daquelas ilusões findas. Pronto. Se sentia
bem melhor olhando pela janela do seu quarto. Límpida. Sinapses mais calmas. Lola
decidiu que estava na hora de abrir seu coração. Mas, não...não iria abrir e
escancarar de uma forma rápida e febril. Não. Iria se abrir como uma flor na
manhã de primavera. Então, decidiu-se por meses e
uma vez por mês abrir frestas aos poucos no seu coração, para homens que iria
denominar os "9 Sans"
Dezembro - Em um bar com amigas Lola foi paquerada por
um jovem inquieto que saiu da onde estava e foi até ela, logo lhe pediu um
beijo, logo pediu seu telefone, logo pediu que tirasse a roupa. Logo disse que
tinha encontrado a mulher da sua vida. Logo disse que a amava. Logo, Lola desconfiou
dos poemas de amor tão rápidos e do amor do rapaz a possibilidade de amar. Depois
de dois encontros em que ele nunca se interessava por sua vida, apesar de
repetir 300 vezes a palavra "amor", não conseguia mais controlar o
clima insano e impaciente, e, a sua pequena e primeira negação dos seus caprichos
"românticos", o rapaz se afastou sem dizer tchau. Lola ainda tentou contato para saber o
resultado da sua prova de doutorado, mas, ele, a cortou da sua vida como uma
lamina afiada. Muito romântico isto...
Janeiro - Lola andava pela rua, quando o estranho a
parou. Perguntou seu nome e se disse encantado, a chamou para um café. Ela foi.
Já era o meio de janeiro. Depois saíram para um jantar, moço foi muito claro e
rápido e disse que ela se parecia com uma ex namorada e que queria repetir a
experiência sexual que viveu. Lola achou toda a explicação racional de
envolvimento tão imbecil, tão simplista que fingiu uma dor de cabeça absurda,
foi para casa sem terminar nem de ouvir as imbecis explicações para vida, nem
de comer o delicioso prato agridoce que estava degustando.
Fevereiro foi decepcionante. Lola conheceu o San do mês
em um bar simples da capital. Ele bebia no balcão, completamente desanimado,
mas, ela achou seu sorriso cabisbaixo interessante e acabou sentada ao seu
lado. Depois de muito conversarem sobre melancolia, ela entendia do assunto, em
dias a fio trocando músicas e poemas, Lola se viu mergulhada em um universo
tristonho e negativo de San, e via seus dias se arrastando em conversas
difíceis que fizeram entender o que se escondia atrás do sorriso interessante.
Lola se afastou de San depois que o rapaz teve uma crise de choro inacreditável
relembrando do passado. Não ela não podia se apaixonar por alguém tão chorão
perante a vida.
Lola falava ao celular quando notou olhares de um
estranho. Era bonito, alto, ombros largos. Ele veio até ela pediu licença e
começou a dizer coisas sobre conexões cósmicas
e encontros de alma gêmea. Lola se assustou, mas, riu e riu mais....E o
olhar deslumbrado da vida, do amor do San de março a cegou! Conversaram quase
aquele dia todo...No dia seguinte recebeu lindas flores vermelhas em seu
trabalho e um cartão que falava de conexões cósmicas e.............na frente do
seu trabalho estava ele de novo a chamando para um encontro a noite! Foi assim
ao longo de todo o mês, até que San declarou seu amor ao mundo em um dia quente
de março, horário comercial, com banda de musica e outdoor. Lola indignada com
os colegas de trabalho rindo, respondeu ao "te amo" com um grito:
"me deixa em paz!" Nunca mais viu San naquele março, nem abril...
nem...
Resolveu então, procurar respostas aos Sans na poesia! Foi a uma livraria e comprou 2
livros de poesia de Manuel de Barros. Na fila do caixa deixou cair seu celular
que se separou em uma 3 partes. Desastrada! O homem que estava ao seu lado
ajudou e falaram sobre desastres e o preço pela hora da morte dos aparelhos e
dos consertos. San, de abril era doce, amigo, prestativo, companheiro. Começou
a ajudar com a organização do seu tempo e a ajudava com tudo que precisava no
seu cotidiano. Um dia de abril, se viram presos dentro do elevador do prédio de
San. Lola desesperou por causa da sua claustrofobia. San, a abraçou firme e
arrumou seus cabelos, e, ela finalmente se preparou para o primeiro beijo
daquele homem cauteloso que admirava tanto. O beijo não veio, somente um suave
beijo na testa. Depois deste dia Lola notou um certo distanciamento, meses
depois, San lhe confidenciou sua cautela em se apaixonar e não ser
correspondido. Lola lamentou, ela se apaixonaria por San....
Maio começou agitado para Lola uma viagem a trabalho a
deixou por dias fora da sua cidade. Foi nesta viagem que Lola conheceu o San de
maio. Foi estranho. Ele parecia distante enquanto Lola apresentava um projeto
de trabalho. Saiu da sala sem que ela terminasse e voltou complemente disperso
atrapalhando a reunião. Ao termino, San pediu desculpas e a chamou para um
café. Em uma hora de conversa Lola ficou completamente entristecida pela
situação que ele estava passando. Uma série de decepções e perdas na sua vida
pessoal que a deixaram também transtornada e em questionamento. Ela se abriu de
coração a San, o ouviu, o acalentou em abraços durante dias. Chorou com ele e
aceitou sua fragilidade com toda sua força e amor. Quando abria os olhos a
primeira coisa que pensava era se tinha conseguido dormir, comer, se tinha
ficado bem. No dia 24 de maio, as 21 horas um dia frio e cheio de vento depois
de uma longa conversa chorosa com San,
Lola notou as notificações de dezenas de mensagens de amigos e família que tinha
recebido e não havia respondido, no espelho notou sua cara caída e triste.
Deitada na sua cama, começou a fazer uma retrospectiva dos dias que tinha
passado com San, e quantas vezes ele havia perguntado sobre ela, sobre sua
vida, sobre seus sentimentos, sobre como estava sua vida, sobre como tinha sido
seu dia e suas próprias frustrações. Ligou para San o chamou para uma volta no
parque, não. Um chopp no fim da tarde, não. O chamou para ouvir uns rocks em um
bar animado, não. San, queria que fosse até sua casa, como tinha sido nos
últimos dias, ela iria escutar, escutar, e
iria aconchega-lo e iria embora. Lola não podia mais. A vida segue para
todos, inclusive para eles, manteu os convites por dias, San nunca quis. Nunca
perguntou sobre ela. Ela não mais insistiu!
O frio de junho não congelou a
recuperação de Lola. Seus amigos estavam animados e ela perambulou entre bares,
reuniões de amigos. Foi em um destes dias que conheceu San, o de maio. Um homem
voluptuoso que a intimidava com seu olhar fixo no movimento da sua boca enquanto
falava sem parar, sem pensar, visto que aquele olhar a deixava desconsertada.
Dizia quase nada. Poucas palavras, sempre malicioso, dúbio e cheio de risadas
de canto de lábio. Lola via que também não prestava muita atenção nas coisas
ditas e sentidas, só no movimento do seu corpo, do seu cabelo... da sua língua
dentro da sua boca. Voltou a se encontrar com San, e, seu encanto acabou quando
ele forçou uma intimidade da qual não estava preparada e ele, agiu com frieza.
Achou aquilo tão tosco e insensível, mas, insistiu até o dia que Lola não pode
mais ser possível, queria mais que instintos daquele San, e ficava claro que
ele não tinha mais o que oferecer para ela...
Julho começou rápido demais. San, mal entrou da sua vida
e Lola já esperou que fosse embora rapidamente. Era perverso. Lola não quer
lembrar dele. Fez chantagens emocionais. No fundo assim que o conheceu viu seus
olhos frios, distantes e egoístas, e seu idealismo a fez insistir naquele homem
cheio de pequenas maldades cotidianas e foi isto mesmo que, não querendo nem
lembrar, partiu de sua vida antes mesmo que julho ficasse do pico do seu
inverno
Lola ria enquanto o vento de agosto que insistia em
tentar levantar sua saia. Gargalhava quando San a percebeu. "Prazer, meu
nome é San, posso gargalhar com você?". Leve. San era leve. Encheu seu
agosto de bem humor, de brincadeiras. Era espirituoso. Tinha um espírito feliz.
Deixava qualquer conversa difícil, qualquer passeio em um acontecimento mágico e
especial. Riam. Conversavam francamente sobre todos os assuntos e sobre seus
sentimentos. Seus corpos tinham a mesma facilidade em se encontrar e se sentir.
Lola se apaixonou por San, se apaixonou da maneira mais inocente e livre
possível, se apaixonou pela maneira que brincava naqueles dias de ser feliz.
San saiu da sua vida assim como entrou.
Disse que não podia mais, que iria tentar a conciliação com um antigo amor, que
não tinha conseguido esquecer. Lola, ficou triste, mas, nem no último beijo de
despedida pode não achar aquele homem uma das pessoas mais incríveis que tinha
passado por sua vida. Meses depois viu uma foto dele com seu amor, os dois
sorrindo livremente em uma festa. Foi difícil, mas, entendeu que vida só é
possível com liberdade de sentimentos!
A
primavera começaria em
setembro, estava pronta para ela, afinal
era o compromisso daqueles meses, nada a impedir de encontrar alguém para
despertar seu coração. San, apareceu despretensiosamente, Lola estava frágil
naqueles dias, ele a convidou para um café. Na primeira coisa se sentiu
protegida por ele ... a repreendeu por uma palavrão fora do lugar e até hoje
não entendeu porque aquela atitude fez sentir que ele se importava com ela. Que
besteira! Mas, Lola se deixou de levar... pela proteção daquele homem alto,
forte, mas, cheio de inseguranças. Em poucos dias por 3 vezes trocou de roupa
com medo de repreensão e não falou com 2 amigos que ele tinha ficado enciumado.
Fazia cara feia e a abraçava com força quando outro homem a olhava, e, de
alguma maneira Lola se sentia protegida com isto. Na começo da primavera Lola
já não suportava as cobranças, as mudanças de humor e o ciumes de San, e, neste
último mês de abertura do seu coração não pode levar San de setembro para os
anos de sua vida....
E
pronto o desafio havia se encerrado. Lola estava confusa. Foram meses, vários
San, e seu coração ainda estava ali, florescendo e brotando tudo ao mesmo
tempo, tudo livremente. Em uma noite de sábado decidiu ficar em silêncio o fim
de semana. Fechou no seu canto preferido da casa, com seus discos e cds e
livros de poesias e uma garrafa de espumante que guardou por meses para uma
noite especial. Primeiro se lamentou... depois escutou uma prece na boca de
Janis Joplin
One of these mornings
"You're gonna rise, rise up singing
You're gonna spread your wings, child
And take, take to the sky"
e lembrou de quando era uma criança, uma
adolescente e tudo o que desejava era a liberdade! Nesta prece veio a mente os
poucos homens que amou e que foi amado e como foi feliz com a liberdade que estes
amores a transmitiram. Pensou em como o amor é raro como um diamante. Pensou em
como o amor tinha um papel importante na sua vida, muito mais que ter uma
companhia para os dias chuvosos e os dias de dúvidas. Amor era amplidão. Pensou
que o amor não era só a decisão de se abrir e florecer para
ele ter morada, era um sentimento inexplicável, sem prazos, sem jogos,
sem meses, sem Sans. Que amor acontece! Magicamente o amor acontece. Dormiu assim, deitada no tapete do seu
canto preferido da vida. Sonhou com uma casa de vidro no meio do mato, com uma
história que sairia do livro. Tomou um café forte, um banho com seus mil
cheiros preferidos e foi a vida, seria um domingo agitado. Não pensou mais no
AMOR, por aqueles dias, respeitou a decisão
do seu coração aberto e feliz. Viva, não facilite com a vida, e o amor acontece!