terça-feira, 4 de novembro de 2008

o desafio

Respirou fundo novamente antes de aceitar aquele convite insistente que ele havia feito, entregar-se aquela nova e sempre espreitada sensação, não era para ela o melhor para uma manhã de quarta-feira, mas, se sentiu desafiada. Há dias vinha se consumindo em uma rotina categoricamente fria,de sentimentos regrados e racionalmente controlados.Já não sabia onde vinha a força para manter-se com sintomas de medos e decaídas distantes. Mesmo antes de tudo acontecer já não sabia ser capaz de viver sem a transgressão de sentimentos, de regras e atos que somente serviam para formar uma imagem firme de quem era perante as pessoas que convivia na sua vila. Enquanto olhava a distância, a profundidade, lembrou-se da velha que morava da última rua a direita da vila, a maneira como foi encontrada quatro dias depois da sua morte: na cadeira , dura, imóvel e morta. Sorriu constrita. Sentiu pena da velhinha, sempre tão amável com todos, nunca indelicada.E aquele seu sorriso mediano? Os lábios que invariavelmente faziam o mesmo desenho no rosto, uma linha reta com as duas covinhas profundas, metade dos dentes anteriores aparecendo do sempre mesmo sorriso para sempre a mesma delicadeza e impavidez. Enquanto ele de costas arrumava os equipamentos, ela, ainda com a velhinha morta por quatro dias em casa, na cabeça, lembrou-se do dia em que a sorveteira do centro da vila queimou em brasas. Todos correndo, histeria, agua para baixo, chamas para cima e enquanto ela estava absorta na maravilha da ajuda comunitária, viu a velhinha ao longe com aquele mesmo sorriso mediano no rosto, nem a mais, nem a menos. Achou aqueles pensamentos impróprios para o momento e querendo se desfazer de qualquer resquício fúnebre, fixou os olhos nos braços que puxavam as cordas para cima. A sensação de força que ele passava lhe dava uma segurança inquestionável, algo primitivo e distante dos tempos modernos, mas, se achava engraçada imaginando ele a protegendo contra um grande animal feroz ou a salvando de uma torre cheia de fogo. Sorriu sozinha. Ele subitamente virou-se e agora sim viu a força dos seus braços segurando um monte de roldanas, cordas, coletes e não sabia mais o que e para quê tudo aquilo! O suor escorria pelos seus ombros enormes e nos olhos de menino vivaz e peralta via a vibração, a necessidade intensa de vida que a fazia querer a urgência do momento. Pronta? Foi o que ouviu da sua boca, esboçando um sorriso maroto. Sentiu o frio na barriga e já não sabia se era a iminência do desafio a seguir ou a excitação que ele despertava. Sorriu desconfiada. Pronta, foi o que respondeu. Levantou-se e do alto viu tudo até quase o infinito, os tons de verde a ocre, a natureza cintilando a sua frente com uma brisa desnuda e suave. A imensa altura e abaixo as águas ávidas e passionais que a esperavam. Agarrou-se e se acomodou na segurança que ele a ofereceu e ali aconchegada com o coração ao pulos, o sangue pulsando sobre a maestria da adrenalina saltou livre. Ela e ele. Segundos avassaladores. Sorria louca. O vento. O nada. E pronto estava sentindo em sua pele quente a água deliciosa e acolhedora, mergulhou ainda agarrada a ele e naquele instante era tudo o que sentia: ele e a vencedora capacidade se superar, de arriscar, de transgredir. Submergiu aos gritos, aos prantos, se olharam demoradamente e se beijaram em entrega . Sorriram, mergulharam juntos e continuaram urgentes e intensos pelo momento que parecia ser o sem fim do infinito.
Renata Santos (impermeável)

Um comentário:

Anônimo disse...

bom... acho que tu recebeu os comentários no celular, né?