(para minha irmã e seu amor que me envolve em nuvens)
Querida amiga, a água que tem passado por baixo da ponte tem ficado cada vez mais densa e turva, novos fortes ventos em ondas estranhas tem arrastado para longe das árvores aquelas folhinhas secas que adorávamos observar no “afunda-afunda” sem fim . Aqueles peixinhos amarelinhos, que tanto queríamos para um suposto futuro aquário, ainda continuam a brincar em ziguezague sobre as águas, parecem mais rápidos que antigamente e tiram-me risinhos de canto, quando saltam em cambalhotas. Espirram água por todo lado, os danados! Balançando as pernas no ar, sinto-me como uma menininha. A ponte está mais bonita, precisava ver! Bucólica, com a madeira do corrimão corroída e musgos crescendo deliberadamente. Fico olhando aqui o quanto parece escorregadia, mas, não encontro a mesma ousadia de ir lá e brincar em uma emocionante imaginada pista de patinação. Nossa, iríamos rir um bocado entre um tombo e outro, eu, com meus ataques de riso que não me deixam em pé e você quase fazendo xixi nas calças, ainda tem esta mania, de precisar ir no banheiro quando gargalha?
Ao longe, avisto crianças brincando na água, soltam uns gritinhos engraçados. A água parece mais fria e o rio mais fundo. Fico preocupada por estarem ali sozinhas, só podem estar escondidas dos pais. Mas, acalmo meus pensamentos observando o quanto parecem livres e entregues as brincadeiras.
Fico aqui minutos sem fim. De olhos bem abertos, minutos lá, horas em outro mundo, é quando vem o cheirinho do flamboiã e me traz de volta ao mesmo lugar, mas, em outras épocas. Uma grande saudade de tudo aperta o peito. Um susto melancólico que diz que as mudanças aconteceram rápido demais, tão rápidas que a diferença das sensações parecem apenas sombras impressas em fotografias instantâneas.
(pausa para escutar como trilha sonora: With a Little - Joe Cocker)
Respiro profundamente. Já fazia uns meses que não respirava. Tempos difíceis, amiga, complicados para pessoas que ousaram sonhar com o que nos permitimos. Enquanto corríamos por aqui e entre estas árvores, nada parecia impossível. E a noite, no gramado, a via láctea em estrelas parecia tão próxima e a luz que iluminava tinha mais força e vitalidade em nossas vidas. Agora, que volto a respirar, me pergunto, em que momento da vida passei a querer tão pouco de tudo e dar de mim o mínimo fantasiado de esforço.
O ar por um instante torna-se rarefeito e a imagem do seu rosto, ainda criança, sorrindo, me vem a frente, você me entende a mão, me chama para brincar, ri do meu agora pouco cabelo espetado engraçado, comenta do pó-de-arroz que devia usar nas minhas olheiras, de como ficaria parecida com uma boneca de porcelana. “ Vem bicuda”!!!! Toda engraçadinha! “Vem”. Abaixo e balanço a cabeça, achando não poder ser mais possível, permitir a sua presença infantil. “Vem!” E o ar volta em abundância, escuto seu barulho em forma de brisa macia nas árvores desassossegadas, me encho de sentimentos que retornam e com pulmões inflados de uma liberdade regressa, seguro firme na sua mão, imprimo seu sorriso no meu rosto e assim, junto a você, deslizo sobre o gramado correndo em saltos de um lado para outro procurando, amiga, em que pote escondemos aquela velha e melancólica felicidade.